PRONUNCIAMENTO DO SR. SARNEY FILHO POR OCASIÃO DA SESSÃO SOLENE EM HOMENAGEM AO “DIA MUNDIAL DO MEIO AMBINETE e EM COMEMORAÇÃO AOS 10 ANOS DO COMITÊ DE GESTÃO SOCIOAMBIENTAL – ECOCAMARA”:
Senhoras e Senhores Deputados,
Hoje, como sabemos, comemoramos o Dia Mundial do Meio Ambiente. Esta importante data foi instituída pelas Nações Unidas com um claro propósito: promover a reflexão sobre o estado do meio ambiente e as políticas adotadas para sua proteção. A pergunta, portanto, que nos cabe responder hoje é simples: como está o nosso meio ambiente? Está melhor ou está pior? Estamos avançando ou estamos retrocedendo no cuidado com o meio ambiente? Há razões para comemoração?
Infelizmente, um olhar atento e bem informado sobre o que se passa hoje no mundo não autoriza uma visão otimista. Há cerca de um mês atrás foi noticiado que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassou, pela primeira vez na história da civilização, o limite de 400 partes por milhão. A última vez em que isso aconteceu na Terra foi há três milhões de anos atrás. 400 partes por milhão de dióxido de carbono na atmosfera é considerado pelos cientistas o limite para se evitar os piores cenários decorrentes das esperadas mudanças no clima planetário. De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, com uma concentração acima de 400 partes por milhão a temperatura média da Terra poderá subir de dois a seis graus centígrados até o final do século. Esse aumento de temperatura vai acelerar o degelo dos polos, provocar tempestades mais violentas e secas mais severas, impactar severamente a biodiversidade e condenar milhões de pessoas a abandonarem suas terras e vagarem pelo Planeta em busca de um lugar para viver. Os 10 anos mais quentes já registrados na Terra, desde 1880, quando se iniciaram as medições da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, ocorreram a partir de 1996.
O que mais preocupa é a lentidão com que as medidas necessárias ao combate do aquecimento global são tomadas e a paralisação das negociações internacionais. Outro dia li a apresentação feita por um jornalista sobre sua atividade profissional em que ele dizia: “sou jornalista especializado em meio ambiente e já escrevi um livro sobre mudanças climáticas, em um tempo em que as pessoas se preocupavam com isso”. É verdade. De repente, parece que ninguém mais se preocupa com o assunto.
Diz-se que o próximo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que deve ser divulgado esse ano, será chocante. Sabe-se também que a cada ano de inação, o custo para que o aquecimento global não passe dos dois graus centígrados aumenta trilhões de dólares. E o tempo para a implementação das medidas necessárias diminui. Apesar disso, os principais países responsáveis pelo aquecimento global resistem a adotar e cumprir novas metas de redução de emissões dos gases de efeito estufa.
Argumenta-se que a redução da atenção dada ao problema climático é resultado da crise econômica global. No contexto atual, seria bom se isso fosse verdade. Isso significaria que uma retomada do crescimento econômico asseguraria um enfrentamento efetivo do aquecimento global. A verdade, porém, é que, mesmo assinando acordos de redução de emissões, os Estados nacionais e os setores da economia mais diretamente responsáveis pelo problema têm demonstrado, com crise ou sem crise econômica, muito pouca disposição para fazer as mudanças necessárias. Mesmo que todos os países venham a cumprir os compromissos já acordados, o mundo esquentará mais de 3 graus centígrados até 2100, mais do que os 2 graus que se acordou ser o limite admissível. Nas palavras de Leonardo Boff, estamos brincando de roleta-russa, com o revólver apontado para a cabeça dos nossos filhos.
No plano interno a situação não é melhor. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas revisado, que deveria ter sido apresentado no final do ano passado, não foi ainda concluído. Os Planos Setoriais de emissões de gases de efeito estufa dos setores de indústria, transportes, saúde e mineração, com metas de redução, não foram apresentados. A demora na entrega dos Planos Setoriais indica a pouca atenção dada pelo Executivo Federal para a questão climática. Entretanto, o que mais preocupa é o aparente desinteresse da sociedade brasileira com relação ao tema.
Exemplo disso é a reação do País à descoberta das reservas de petróleo do pré-sal e a expectativa do Brasil de se tornar um grande produtor mundial. Todos temos assistido à inflamada disputa travada no Congresso pela partilha dos royalties do Petróleo. Mas nada se fala sobre o impacto dessa descoberta sobre nossas emissões de dióxido de carbono, como se o problema não existisse. É evidente que a descoberta de um recurso natural que pode trazer uma grande riqueza para o País não pode ser desprezada. Mas, parafraseando Al Gore, a pergunta inconveniente é: como vamos conciliar a exploração dessas reservas com o imperativo climático? Como vamos usar essa riqueza inesperada para descarbonizar a economia nacional?
A Agência Internacional de Energia afirma que dois terços das reservas comprovadas de combustíveis fósseis do mundo não poderão ser usados sem arriscar alterações climáticas perigosas. A Agência calculou que a maioria das reservas de carvão, 22% das reservas de petróleo e 15% das reservas de gás natural deverão permanecer debaixo da terra. Dois terços dessas reservas estão na América do Norte, China, Rússia e no Oriente Médio. Uma medida que tem sido defendida nos fóruns internacionais é a taxação dos combustíveis fósseis combinada com o aumento dos investimentos em energias renováveis. E nós, brasileiros, como vamos enfrentar essa questão? O que se observa no momento é que, enquanto não encontramos uma resposta, estamos, infelizmente, aumentando a participação das termoelétricas movidas a óleo combustível na nossa matriz energética.
Até aqui concentrei minha atenção na questão climática e energética, com certeza o maior desafio ambiental da humanidade hoje, com profundas consequências econômicas, sociais e políticas. Mas não é o único problema ambiental global.
De acordo com o WWF, a demanda mundial por recursos naturais dobrou desde 1966. A Terra precisa, hoje, de um ano e meio para regenerar os recursos renováveis consumidos pelos seres humanos anualmente e absorver os correspondentes resíduos de dióxido de carbono gerados. Em outras palavras, a humanidade precisa atualmente de um planeta e meio para atender à sua demanda por recursos naturais renováveis. Se essa demanda continuar a crescer no ritmo atual, em 2030 vamos precisar de dois planetas por ano. O que isso significa? Significa que continuamos dilapidando nosso capital natural, continuamos a destruir a nossa casa. Não surpreende, portanto, que, de 1970 a 2008, a biodiversidade tenha diminuído 30% em todo o mundo e 60% nas regiões tropicais.
O célebre geógrafo Jered Diamond, no conhecido livro “Colapso”, relatada vários casos de prósperas sociedades do passado que foram incapazes de antever ou enfrentar o problema da sobre-exploração dos recursos naturais de que dependiam para existir e desapareceram. Impressiona, dentre outras, a história da Ilha de Páscoa, o lugar habitado mais isolado do mundo, localizado no meio do Oceano Pacífico. Os polinésios chegaram na ilha no ano 900 da nossa era. A Ilha de Páscoa possuía, na ocasião, uma exuberante e diversificada floresta, dominada pela maior palmeira então existente no mundo, com mais de dois metros de diâmetro. A ilha chegou a ser habitada por 15 mil pessoas ou mais. Em 1500, apenas seiscentos anos depois da ocupação, as florestas já haviam sido completamente desmatadas. Com o desmatamento, sobreveio o colapso da sociedade pascoense. Hoje, como testemunho do vigor da cultura local, restam apenas as famosas estátuas da Ilha de Páscoa. Para nós parece óbvio que, ao destruir suas florestas, os pascoenses estavam se auto- condenando a um declínio catastrófico. É inevitável, portanto, perguntar: porque não foram capazes de antecipar a catástrofe ou, se o foram, por que não conseguiram mudar de rumo? As semelhanças com o mundo contemporâneo são óbvias e assustadoras. A Terra é uma ilha no universo. Nossos recursos são limitados e nós os estamos consumindo mais rapidamente do que o Planeta é capaz de recompô-los. Alertas sobre o problema não faltam mas, ainda assim, seguimos adiante na mesma direção, adiando o enfrentamento do problema e esperando, quem sabe, que novas tecnologias nos ofereçam uma solução no futuro sem que tenhamos que rever nosso modelo de desenvolvimento e nossos padrões de consumo. Estaremos condenados ao mesmo destino da ilha de Páscoa?
Um olhar sobre o que se passa no Congresso no campo ambiental também não oferece muito motivo para comemoração. Estamos ainda convalescendo do recente ataque desferido contra o Código Florestal. Preocupa-nos menos o resultado final da votação da nova lei no Congresso e mais o que o processo revela sobre a visão dominante no meio rural brasileiro sobre a questão ambiental. Apesar da frequente afirmação de que o maior interessado na conservação do ambiente na propriedade rural é o homem do campo, o fato é nunca se respeitou, de fato, a legislação florestal. Quando o Governo decidiu, de forma efetiva, cobrar a aplicação da Lei, a resposta do setor rural foi a que testemunhamos no Congresso: em lugar de reivindicar apoio para o cumprimento da Lei, se mobilizou para acabar com ela. Na visão do setor rural, caberia ao proprietário decidir sobre a manutenção de florestas nativas na sua propriedade, sem a tutela do Estado. Se o Estado quer impor ao proprietário a conservação de florestas então deve pagar por isso. Em outras palavras, a conservação das florestas é percebida, em geral, como um ônus, e não como uma necessidade para a produção agrícola sustentável. Nesse contexto, nos preocupamos muito com a possibilidade de que mesmo a aplicação de uma lei menos rigorosa enfrentará considerável resistência.
É claro que há também motivo para otimismo. Poderíamos mencionar aqui inúmeras iniciativas governamentais, do setor empresarial e de organizações da sociedade civil em favor da proteção do meio ambiente e melhoria da qualidade de vida da população. No campo legislativo, a medida recente mais promissora talvez tenha sido a aprovação da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e colocou o País em situação de igualdade com as nações mais avançadas no trato da questão. Dentre os instrumentos introduzidos pela nova lei merecem destaque os Planos Nacionais, Estaduais e Municipais de Resíduos Sólidos, os Planos Gerenciais de Resíduos Sólidos, que devem ser elaborados pelos grandes geradores de resíduos, e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, que obriga as empresas a darem uma destinação final adequada aos produtos por elas colocados no mercado.
Note-se que a aprovação da nova Lei coincide com um visível amadurecimento da sociedade em geral e do setor empresarial em particular no tratamento dado à questão dos resíduos sólidos. De acordo como o IBGE, em 1989, 88,2% dos municípios brasileiros lançavam seus resíduos sólidos em lixões. Esse número caiu para 72,3% em 2000 e para 50,8% em 2008. Enquanto isso, o número de municípios que utilizam aterros sanitários cresceu, no mesmo período, de 17,3% para 27,7%. Embora metade dos municípios ainda utilize lixões para o depósito de resíduos sólidos, a evolução observada em 20 anos é animadora.
Ao mesmo tempo, o número de programas de coleta seletiva dobrou, passando de 451, em 2000, para 994 em 2008. Em termos percentuais, isso significa um aumento no numero de municípios operando a coleta seletiva de 8,2%, em 2000, para 17,9%, em 2008. Esse número ainda é baixo, mas o aumento foi expressivo. A coleta seletiva, além de favorecer a reciclagem e a redução do volume de lixo destinado aos aterros, tem uma grande importância social, uma vez que gera emprego e renda para milhares de catadores e suas famílias.
No setor empresarial, o Brasil tem alcançado números recordes, em termos mundiais, na reciclagem de várias matérias-primas, com destaque para as latas de alumínio, as garrafas PET e outros tipos de plástico. A reciclagem, dentre outros benefícios, reduz os impactos decorrentes da extração dos recursos naturais, reduz o consumo de água e energia, além de gerar emprego e renda.
Por fim, ainda no capítulo das boas notícias e para concluir essa nossa intervenção com uma mensagem de otimismo, quero destacar o trabalho que vem sendo desenvolvido nesta Casa pelo Comitê de Gestão Socioambiental da Câmara dos Deputados, o EcoCâmara, que este ano comemora 10 anos de ações exitosas e exemplares.
O EcoCâmara foi criado para fazer desta Casa um exemplo de gestão ambiental, em consonância com as diretrizes e os princípios propostos pelo programa Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P), elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), durante minha gestão à frente daquela pasta.
Para se ter uma ideia da abrangência da atuação do EcoCâmara basta olhar as áreas temáticas em que a ação do Comitê está organizada. São elas: Área Verde e Proteção à Fauna, Coleta Seletiva e Responsabilidade Social, Gestão de Resíduos Perigosos, Comunicação Institucional, Educação Ambiental, Arquitetura e Construção Sustentável, Tecnologia da Informação Verde, Novas Tecnologias Hídricas e Energéticas e Licitação Sustentável e Legislação Aplicada.
Nesses dez anos, o EcoCâmara promoveu inúmeras ações com o objetivo de reduzir o consumo de água, de energia e de papel e de gerar menos resíduos. Cito como exemplo a redução da irrigação desnecessária dos jardins da Casa durante a seca, a ecolavagem da frota oficial, a modernização dos sistemas de ar condicionado, a substituição de equipamentos sanitários antigos por outros mais eficientes; a substituição das garrafas de PET por purificadores de água nas copas, a racionalização do processo de limpeza dos espelhos d’água, a substituição da impressão de documentos pela digitalização. Essas ações possibilitam uma redução expressiva no consumo de recursos naturais e uma economia de centenas de milhares de reais todos os anos.
Merece destaque também o trabalho de gestão das áreas verdes da Casa, extremamente importantes para a qualidade do nosso ambiente de trabalho, lembrando que das áreas verdes faz parte o Bosque dos Constituintes, hoje sob gestão da Câmara, e onde já foram plantadas dezenas de espécies de árvores nativas do Cerrado e do Brasil.
Desde a sua constituição em 2003, o EcoCâmara participou de incontáveis eventos na área ambiental sobre os mais variados temas e realizou várias parcerias com instituições de ensino e órgãos da administração pública, visando promover a gestão ambiental também fora dos limites da instituição.
Como fruto da ação do Comitê, foi elaborada e aprovada internamente a Política Socioambiental da Câmara dos Deputados, com princípios, diretrizes e recomendações para a gestão ambiental da Casa.
Por fim, não poderia deixar de mencionar, dentre as inúmeras manifestações recebidas pelo EcoCâmara em reconhecimento da qualidade do trabalho realizado pelo Comitê, o segundo lugar conquistado pela Câmara dos Deputados no Prêmio Melhores Práticas da A3P (Agenda Ambiental na Administração Pública), do Ministério do Meio Ambiente, na categoria "Inovação na Gestão Pública", com o projeto “Regulamentando as licitações sustentáveis na Câmara dos Deputados - Esverdeando as aquisições”. Sem esquecer que em 2009, a Câmara concorreu e também conquistou o segundo lugar na mesma premiação na categoria "Uso Sustentável dos Recursos Naturais - Melhor Gestão de Energia", com o projeto "Programa Luz e Vida - A iluminação como fonte de prazer”.
A ação do EcoCâmara demonstra que, com consciência, compromisso e ação efetiva ou, como se costumava dizer há não muito tempo, pensando globalmente e agindo localmente, podemos transformar os nossos padrões atuais de produção e consumo e, desse modo, construir um futuro sustentável para os nossos filhos.
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